sexta-feira

Carne de papel

Rangeu os dentes e os segurou dentro da boca. Cândido queria fugir da fome de pessoas e foi atrás da fome convencional, que ele sempre conhecera muito bem. Uma lanchonete ou um boteco bastam, uma saladinha basta, um pãozinho basta...E um pouquinho de carne também não faria mal.

- Qual vai ser chefe?
- Me vê um X-Tudo. Dá pra colocar mais um hamburguer?
- Dá, mas aí é mais R$1,50.
- Tá, então bota mais dois e manda bala. Vai ligeiro!

O chapeiro sacou os hamburgueres da geladeira e foi à chapa. O cheiro de carne frita aguçou o apetite errado, e Cândido não conseguiu tirar os olhos do pescoço do cozinheiro. A chapa derretia o homem, revelando por baixo de pele, gordura e músculos uma enorme artéria saltitante. O sangue balançava as paredes do vaso sanguineo num movimento hipnótico.

Sorte do chapeiro ser tão bom no trabalho. Por educação e boas maneiras, embora ainda desejasse o pescoço, Cândido abocanhou o sanduiche. A carne que tocou sua lingua não tinha gosto de nada. O lanche inteiro parecia feito de papel.

Pediu mais três sanduiches (bem sangrentos), uma coxinha e um ovo azul, e a fome ainda estava lá. Queria avançar no chapeiro e rasgar seu pescoço com um garfo. Sem ver, dilacerou o pescoço do chapeiro e de mais três clientes para saciar a fome bruta.

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