segunda-feira

Zé São

Já era noite quando saíra do beco. Com aquela jaqueta vistosa, seria melhor andar como se não fosse um mendigo. Camuflou-se na multidão que enchia a praça e se sentiu, finalmente, gente daquele lugar.

No escuro da praça uma chama laranja explodia e sumia. Pequeno vagalume do inferno, pensou Cândido: Tudo que brilha é prenda do Tinhoso! Mas a cada movimento do vagalume , ouviam-se aplausos e gritos de euforia. Não podia ser coisa do demônio.

- Obrigado, obrigado. Quem puder ajudar é só colocar uma moedinha na chapeleta ali, oká?

Era inofensivo, mas ainda era coisa do diabo. Cândido não precisava de uma confirmação, mas bateu o olho na plaquinha perto do chápeu. "Zé São, artista de rua". Naquela hora, concorrência era a cereja do bolo diabólico.

O número agora envolvia facas. Zé São exibia um corpo gigante, oleoso e sem marcas. Os olhos e os dentes da platéia esperavam por um acidente, mas fazia parte da apresentação frustrar os espectadores. O dinheiro deles valeria mais sem gastos médicos.

A fome avassaladora só é chamada assim porque não respeita nada. A pontada no estômago fez Cândido despertar da inveja para o desespero. Estava diante de muita gente, e isso o lembrou da sua última refeição. A fúria da fome engolia sua moral e fez tudo parecer um grande banquete.

Um comentário:

Fabricio Teixeira disse...

Você é foda. Em preto, em branco, em cinza... Foda.